Programa assistencial - recursos privados - captação ilícita de sufrágio

Questionamento

Sou Juíza Eleitoral em xxxxxxxxxxx e recebi uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral sob o argumento de que o candidato requerido está fazendo campanha eleitoral utilizando de exposição de ações relativas a um programa assistencial privado (realizado pelo CTG que o candidato seria patrão) de distribuição de refeições a preços populares (R$ x,xx), denominado "xxxxxxxxxxxx". Assim, consulto se a promessa de manutenção e ampliação do referido programa assistencial privado de distribuição de pratos a preço popular pode se enquadrar em hipótese de abuso de poder econômico ou captação ilícita de votos?

Resposta em 11.11.2020

Dos elementos indicados, é possível asseverar que a conduta parece um tanto distante do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, pois a jurisprudência é uníssona no sentido de que a promessa, em troca de voto, há de ser realizada de forma específica, de forma que promessas genéricas não caracteriza o ilícito:

“[...] Captação ilícita de sufrágio. Distribuição de panfletos. Isenção de taxa condominial. Empreendimentos do programa habitacional minha casa minha vida. Promessa genérica. Plataforma política. Viabilidade em tese. Má-fé não demonstrada. Manutenção do acórdão regional [...] 1. In casu, o Tribunal de origem manteve a improcedência da AIJE por entender que a promessa de isenção de taxa condominial realizada de modo genérico e com respaldo em decreto municipal não caracteriza captação ilícita de sufrágio e/ou abuso de poder econômico. [...] 4. A quaestio juris submetida a esta Corte cinge-se, portanto, em saber se configura captação ilícita de sufrágio a distribuição de panfletos com promessa de extinção de taxa condominial em empreendimentos residenciais inseridos no programa Minha Casa Minha Vida. 5. A incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 exige prova inconteste da ilicitude consistente na promessa de bem ou vantagem pessoal capaz de interferir na liberdade de voto do cidadão - bem jurídico tutelado pela norma. 6. Na linha da jurisprudência desta Corte, para a configuração do ilícito previsto no art. 41-A da Lei 9.504/97, a promessa de vantagem pessoal em troca de voto deve corresponder a benefício a ser obtido concreta e individualmente por eleitor determinado ou determinável. 7. Na espécie, conforme a moldura fática delineada no acórdão regional, não houve promessa de bem ou vantagem pessoal, consoante exige a norma em epígrafe, mas, sim, promessa dirigida a uma coletividade. A delimitação dos destinatários da propaganda eleitoral - moradores dos condomínios Nova Caraguá e Jetuba - não retira o caráter genérico da promessa, uma vez que a isenção da taxa condominial beneficiaria os condôminos indistintamente. 8. Esta Corte já decidiu que as promessas genéricas, sem o objetivo de satisfazer interesses individuais e privados, não são capazes de atrair a incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/97. 9. É assente, no ordenamento jurídico pátrio, o postulado segundo o qual a boa-fé se presume, a má-fé se prova. 10. No âmbito da propaganda eleitoral, e aqui se incluem as promessas de campanha, verificada a dificuldade de se provar a verdade ou a falsidade daquilo que foi divulgado, presente a boa-fé, deve-se decidir a favor do candidato, em homenagem à liberdade de expressão e à preservação dos direitos políticos. [...] 12. Consoante se depreende do voto condutor do acórdão recorrido, não há falar em ilicitude da promessa de campanha em razão da impossibilidade do seu cumprimento, uma vez que ‘[...] a conduta dos recorridos possui respaldo no Decreto Municipal n° 634/2017, o qual autoriza a realização de serviços públicos essenciais nos condomínios 'Nova Caraguá' e 'Jetuba', com o intuito de extinguir a taxa condominial’ [...] 14. A viabilidade, ao menos em tese, do cumprimento do projeto político em favor dos eleitores da referida comunidade torna a promessa de campanha lícita. [...] 16. Conclui-se que, no caso, não há falar em captação ilícita de sufrágio, porquanto: i) trata-se de promessa de campanha promovida de modo genérico; ii) demonstrou-se a viabilidade, ainda que mínima, de sua concretização; e iii) os recorrentes a veicularam de acordo com o primado da boa-fé objetiva [...]”.

(Ac. de 14.3.2019 no REspe nº 47444, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.) 

Por outro lado, no que toca ao abuso de poder econômico, ao que tudo indica, e conforme a prova efetiva a ser verificada nos autos, pode haver maior proximidade, uma vez que o abuso em exame é configurado pelo emprego de recursos financeiros, ainda que de caráter privado (pois desimporta a origem dos recursos), de forma a favorecer candidato, com lesão à normalidade e à legitimidade do pleito, ainda que de maneira indireta ou reflexa.

Contudo, observe-se, a caracterização deve levar em conta a prova dos autos, tendo em vista que “abuso de poder econômico” substancia conceito jurídico indeterminado, não havendo taxatividade na subsunção (ao contrário da captação ilícita de sufrágio).

Em resumo, se constatada a mera extensão de programa assistencial, ou adoção de tal método como promessa de campanha, o abuso não estaria configurado, pois há de ser, também, verificada a gravidade dos fatos:

Eleições 2016. Agravo interno em recurso especial. AIJE. Abuso de poder e conduta vedada. Reexame de provas. Negado provimento. 1. O Tribunal de origem concluiu que não ficou comprovado o abuso do poder econômico ou político com gravidade suficiente para justificar as sanções de inelegibilidade e de cassação dos diplomas. A inversão do julgado encontra óbice no reexame de provas, vedado nesta instância. 2. Não se admite a condenação pela prática de abuso do poder econômico ou político com fundamento em meras presunções quanto ao encadeamento dos fatos impugnados e ao benefício eleitoral auferido pelos candidatos. 3. A partir dos fatos como registrados no acórdão recorrido não é possível concluir, com grau de certeza, que os atos descritos foram graves de modo a caracterizar abuso do poder econômico ou político, não cabendo condenação por presunção. [...]”

(Ac. de 2.4.2019 no AgR-REspe nº 28634, rel. Min. Og Fernandes.)