Conflito entre legislação eleitoral e legislação municipal
Questionamento
Conforme estabelecido nos artigos 37 da Lei 9.504/97, c.c. o disposto na Resolução TSE Nº 23.610/2019, é permitida a colocação de bandeiras ao longo das vias públicas, desde que sejam móveis e não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos. Ocorre que em xxxxxxxx a Lei municipal nº xxxxx de xx de xxxxxx de xxxx disciplina o uso dos espaços existentes em trevos e rótulas viárias. Dispõe a lei ser “expressamente proibida a colocação de qualquer tipo de publicidade ou propaganda nos trevos e rótulas viárias de domínio do Município de xxxxxxx” Considerando que a Lei 9.504/97, que disciplina a propaganda eleitoral é de natureza federal e trata especificamente do tema, não vislumbra, este juízo, como acolher o disciplinado pela lei municipal, no que diz respeito a propaganda eleitoral no pleito de 2022. Ainda assim, questiono este juízo de cooperação sobre eventual existência de precedente que tenha analisado o tema aqui exposto. Segue, em anexo, a mencionada lei municipal na íntegra.
Resposta em 02.09.2022
O TSE tem julgados antigos no sentido de prestigiar as normas municipais em detrimento da legislação eleitoral em caso de conflito:
Eleições 2008. Agravo regimental em recurso especial. Propaganda eleitoral irregular. Prevalência da lei orgânica municipal no concernente às limitações impostas à veiculação de publicidade eleitoral. 1. O recurso especial que reconhece a prevalência das normas municipais no atinente a propaganda eleitoral não importa em reexame da lei local estrito senso. 2. A valoração da prova não se confunde com o reexame de fatos, sendo possível na via do recurso especial, adotadas as devidas cautelas. Precedentes. 3. A impugnação a determinado fundamento do acórdão recorrido pode decorrer da interpretação lógica das razões do recurso especial, não incidindo a Súmula n. 83 do Superior Tribunal de Justiça. 4. O art. 243, inc. VIII, do Código Eleitoral, foi recepcionado pela Constituição da Republica, especialmente porque homenageia a reserva constitucional do art. 30, o qual assegura aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local. 5. A edição de lei não se pode presumir como de conotação política, com a clara intenção de desequilibrar a igualdade de condições entre os candidatos; pelo contrário, pressupõe ampla discussão pelo legislativo local, representa a vontade da maioria e aplica-se a todos, indistintamente. 6. A inobservância de norma municipal regulamentar de veiculação de propaganda autoriza não só a supressão da publicidade irregular, mas igualmente a imposição de sanção pecuniária, dada a interpretação sistemática dos arts. 243, inc. VIII, do Código Eleitoral e 37 da Lei n. 9.504/97.7. A divergência jurisprudencial se configura pela semelhança fática entre os julgados confrontados e pelo adequado cotejo analítico.8. A legislação posterior, ainda que mais benéfica, não conduz, salvo expressa disposição em contrário, à desconstituição de situação consolidada sob a égide de norma regulamentar vigente à época dos fatos.9. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
(TSE - AgR-REspe: 35182 SP, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, Data de Julgamento: 31/07/2010, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 199, Data 15/10/2010, Página 40)
Entretanto, há julgados adotando um segundo entendimento, pelo qual o art. 41 da Lei das Eleições, com redação conferida pela Lei n. 12.034/09, derrogou tacitamente o aludido art. 243, inc. VIII, do Código Eleitoral, de forma que a alegação de violação dos códigos de postura municipais representa indevida restrição de utilização de meios de propaganda admitidos pela legislação eleitoral. Nesse sentido, o seguinte julgado:
RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA. CAVALETES MÓVEIS. ART. 37, §§ 6.º E 7.º, DA LEI N.º 9.504/97. DESOBEDIÊNCIA A LIMITAÇÕES LEGAIS. TRÂNSITO DE PESSOAS IMPEDIDO. RECURSO DESPROVIDO. A legislação admite a colocação de cavaletes móveis nos canteiros das vias públicas, das 6 às 22 horas, com a condição de que não dificulte o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos (art. 37, §§ 6.º e 7.º e art. 41, § 2.º, da Lei n.º 9.504/97 e art. 10, § 4º da Resolução TSE n.º 23.370/11).Não se pode cercear a propaganda exercida licitamente sob alegação de violação de postura municipal, devendo prevalecer a regra definida pela redação dada ao art. 41 pela Lei nº 12.034/09.Todavia, se, mediante fotografias, resta demonstrado que a recorrente tem-se utilizado de tais aparatos publicitários em local que dificulta o bom andamento do trânsito de pessoas (entre o alinhamento de duas faixas de pedestres utilizadas para atravessar canteiro central de avenida, deveras próximo a rampa para portadores de necessidades especiais), tem-se que a publicidade não atende ao disposto na parte final do § 6.º do art. 37 da Lei das Eleicoes. Portanto, conquanto se trate de modalidade lícita de propaganda eleitoral, tendo sido ela disposta em local indevido, tem-se por irreparável a decisão que determinou sua retirada.Figura lícita a imposição de multa (astreintes) por descumprimento da decisão, sendo plenamente possível na esfera eleitoral.Recurso desprovido.
(TRE-MS - RE: 33897 MS, Relator: LUIZ CLÁUDIO BONASSINI DA SILVA, Data de Julgamento: 24/09/2012, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 24/09/2012)
Por sua vez, em sede doutrinária, Marcílio Nunes Medeiros leciona que:
De fato, a legislação eleitoral e as regras de postura local tutelam objetos jurídicos distintos, disciplinando a primeira a propaganda sob o enfoque específico da higidez do processo eleitoral e a segunda regulando a ocupação dos espaços públicos, a higiene e o sossego locais e o funcionamento do comércio. Dessa forma, a revogação tácita deste inc. VIII não implica concluir que candidatos e partidos políticos não devam observar as posturas municipais: significa que a tarefa de fiscalização do cumprimento dessas normas não incumbe à Justiça Eleitoral, mas, sim, aos órgãos municipais de fiscalização, os quais, no exercício do poder de polícia administrativa, podem fazer cessar a infração às normas locais. (Legislação eleitoral comentado e anotada. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 631)
De acordo como entendimento transcrito, não caberia a atuação do poder de polícia conferido aos juízes eleitorais em caso de violação restrita às normas municipais sobre propaganda em espaços públicos.
Anoto que pedidos de pesquisas jurisprudenciais mais aprofundadas podem ser encaminhados para o e-mail jurisprudencia@tre-rs.jus.br.
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